Nas
décadas finais do século XX, várias conferências aconteceram em várias partes
do mundo para discutirem os direitos das pessoas deficientes. Essas discussões foram
longas e demoradas. Por fim, em 1994, na cidade de Salamanca (Espanha), todos os
governos se viram obrigados a tomar providências práticas para que os
deficientes tivessem seus direitos preservados.
Acessibilidade,
educação e capacitação profissional foram (e continuam sendo) os direitos mais
comentados. Mas existem outros direitos implícito nessa declaração e que são pouco divulgados pelos governos,
pelas ONGs, pela mídia porque não estão claramente expressos nos documentos.
Por isso, muitos abusos ainda são encontrados.
O
DIREITO DE PERTENCER
Todos
os seres humanos ingressam num grupo familiar ao nascer. Óbvio, não é mesmo?
Mas, nem todos os seres humanos sentem que pertencem a esse grupo por causa de
certas atitudes. Uns se percebem pouco queridos ou rejeitados; outros, recebem
toda sorte de agressão física ou verbal; alguns são considerados como as
“ovelhas negras” da família; outros, são “os bodes expiatórios” das mazelas
familiares e assim por diante.
PERTENCER
é muito mais do que ESTAR no grupo. Pertencer é ser tratado como igual, ter as
mesmas oportunidades, participar de tudo na vida familiar, ter o direito de
expressar ideias, pensamentos, de extravasar sentimentos e de poder desenvolver
habilidades que o preparem para a vida como acontece com os demais membros.
E
se a discriminação acontece entre pessoas não deficientes, imaginem o que
acontece quando ela está presente. Cegos, surdos e deficientes físicos podem
ser poupados ou impedidos de se desenvolver plenamente, fazendo com que se
sintam distantes do grupo familiar. Isto acontece por causa da forma como o
grupo vê suas limitações. Mas, ainda assim, sofrem menos que os deficientes
intelectuais.
Os
portadores de deficiência intelectual, por possuírem um funcionamento cerebral
mais lento que o comum, são considerados como inúteis, incapazes e, na maioria
das vezes, como um fardo pesado.
Na
relação com os deficientes intelectuais forças contraditórias se confrontam
constantemente, como por exemplo: amor X ódio; vergonha X culpas, razão pela
qual muitos deficientes intelectuais ainda permanecem marginalizados no
interior do grupo familiar. Uma marginalização que pode ser verificada por
restrições espaciais, por impedimentos na expressão de ideias, pensamentos e
sentimentos ou por cobranças aquém ou além de suas capacidades.
Este
antagonismo de forças data de muito longe. Forças que foram criadas a milênios
e que foi sendo incorporadas ao comportamento humano. E apesar dos conhecimentos que temos hoje, ainda
nos deixamos levar por elas. É o que C.G. Jung chamou de “inconsciente
coletivo”.
Nos
primórdios da espécie humana, os povos eram nômades e dependiam de pessoas
sadias para manter a sobrevivência da espécie. Dessa maneira, qualquer um que
apresentasse uma deficiência era morto ou deixado para morrer à mingua. Na
Idade Antiga, os deficientes intelectuais eram vistos como impuros por forças
diabólicas e demoníacas. Uma impureza que trazia vergonha para a família e
todos e seus descendentes. Na Idade Média, o advento do cristianismo trouxe uma
mudança no modo de pensar. E o comportamento humano ficou mais humanizado. E em
vez de matar, os deficientes eram deixados na “roda dos enjeitados” onde
ficavam sob a tutela de padres e freiras.
Dessa
época para cá, os conhecimentos e a modernidade transformaram o mundo. Mas os sentimentos
mudaram muito pouco. Ficaram camuflados pela pressão social e justificados
pelos sentimentos “de amor e de proteção”. E em nome desses sentimentos muitas
barbaridades são cometidas.
Mais
que ter um filho cego, surdo, manco ou paralítico, saber que é deficiente
intelectual ainda produz nas pessoas sentimentos de vergonha, de incômodo e de
culpas inconscientes, arraigados em cada um de nós e que são produtos do inconsciente
coletivo.
Muitos
grupos familiares ainda procuram “esconder” os deficientes intelectuais dos
olhares de outras pessoas. Acreditam que agindo dessa maneira os estão
protegendo. No entanto, provocam o isolamento, impedem aprendizagem e o contato
social.
Mas,
o direito de PERTENCER não se restringe apenas ao grupo familiar. Os deficientes
devem sentir que pertencem do grupo escolar, da classe e da turma. Muitas
escolas acreditam que, por permitirem a presença de deficientes intelectuais
dentro de seus muros ou da sala de aula, estão promovendo o sentimento de
pertencimento. Mas, não adaptam os currículos, não oferecem atividades
condizentes com as limitações e capacidades desses alunos. E se o fazem, nas
provas cobram os mesmos conteúdos dados aos demais. Mas, nestas circunstâncias,
o que a escola faz é INCLUIR simplesmente.
PERTENCER
é mais que INCLUIR. É integrar o sujeito deficiente intelectual de tal forma
que ele se sinta parte do grupo. Que se sinta amado e respeitado em suas
limitações e em suas capacidades pelo grupo. Um sujeito que pertence ao grupo não
sofre bullying, tão comum nas escolas.
O
mesmo acontece no trabalho. Uma empresa não deve contratar um deficiente apenas
para cumprir uma exigência governamental e preencher um certo número de vagas
da cota. Mas, para aproveitar seu poder de concentração diante de uma tarefa e
de uma ação incansavelmente metódica.
Na vida em sociedade, os deficientes são cidadãos como outro qualquer. Com direitos
e deveres como todo mundo. E uma sociedade que acolhe os deficientes como iguais
não maltrata, não ultraja e não discrimina por seus estigmas ou por suas
limitações.
Deficientes intelectuais casando - medalhista em natação
Portanto, garantir o direito de pertencer aos diversos grupos é obrigação de todos.
atuando como atores
bale realizado por deficientes intelectuais